"[...] a infância não é apenas, ou sobretudo, uma etapa da vida, algo que transcorre num tempo cronológico e, sucedendo, supera-se. Ela habita sem ser percebida, toda palavra como sua condição, como um sombra, como um resto, como uma diferença não percebida. [...] Assim, a infância se torna não apenas fase para adquirir a palavra; mas sobretudo, estado latente que habita toda palavra pronunciada: a de uma criança, mas também a de um adulto e de um ancião, a de qualquer ser humano. [...] A infância passa como etapa, mas ela sobrevive como infantia." (Kohan, 2010)

domingo, 12 de agosto de 2012

Ética e avaliação das crianças

Este post é uma tentativa de resumir o artigo acadêmico que produzi a partir de minhas reflexões entre a infância, a filosofia e a avaliação das crianças.

Ao ler alguns pareceres descritivos das crianças da educação infantil, me chamam a atenção, me perturbam e incomodam algumas palavras como "dificuldade", "resistência", e por aí vai...

Perturbam por quê? Porque enxergam a criança do ponto de vista do que lhe falta, e não do que ela, de fato, é. Não me entendam mal... estas expressões utilizadas para narrar as crianças incomodam devido a formação que venho tendo em meus estudos sobre a infância - e sei que tal preocupação ainda não aparece em muitos cursos de pedagogia.
Esta visão da criança como adulto em potência, como imperfeita porque ainda não possui as qualidades que todo adulto normal deve possuir é absolutamente natural na tradição pedagógica (Kant e Durkhein fundamentam bem estas teorias) - mas lembremos:  a pedagogia tem passado por reformulações...

Os atuais estudos sobre infância, que tem dado novos rumos a pedagogia (Corsaro, Sarmento, Qvortrup entre outros), consideram a criança como ator social competente, pleno de direitos e cuja voz deve ser ouvida - a criança não é adulto em potencia, é pessoa!

E o que isto tem a ver com ética?
O fato é que não ocorre a muitos adultos que as crianças também são merecedoras de uma relação ética. É ético um adulto em posição hierárquica superior dizer a seu subordinado que este tem "dificuldade"? Não é assim que comunicamos as coisas aos adultos, certo?
Procuramos todos os aspectos positivos da pessoa, tentamos compreender seus pontos fortes e apontar caminhos para que esta consiga superar os desafios que se lhe põem à frente. Embora os colegas do João (40 anos) possam até dizer nas suas costas que ele tem dificuldades de relacionamento (e esta é a visão dos colegas do João), seu superior, se tiver um compromisso com a ética, jamais escreverá em sua avaliação tal coisa.
Não podemos esquecer que a avaliação, como um documento institucional, tem força de verdade na constituição do sujeito. Foucault alerta a respeito da incompletude da palavra. Segundo ele "por mais que se diga o que se vê, o que se vê não se aloja jamais no que se diz" (Foucault, 1999, p.25). Assim, é um compromisso muito grande escrever sobre as crianças. Compromisso que deve ser pensado sempre em uma relação ética com os infantes.



 Após a publicação, disponibilizo o artigo em si, se alguém quiser ler mais... ;)

TREIN, J. D.. AVALIAÇÃO COMO EXPERIÊNCIA ÉTICA: Reflexões sobre as vivências de uma professora-aluna da Pedagogia à distância da UFRGS. RENOTE. Revista Novas Tecnologias na Educação, v. 11, p. 16, 2013.

Disponivel em:
https://seer.ufrgs.br/renote/article/view/43657/27475


Referências:

Foucault, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes, 1999.